segunda-feira, 23 de abril de 2012

Relativismo Absoluto? Sim!

O leitor deve ter reparado na existência de uma coluna de links interessantes à direita das postagens deste blog. Um dos links lá presentes leva ao blog do meu grande amigo e ex-colega de bacharelado Renan Simões. O título: "Relativismo Absoluto? Sim!". O conteúdo: comentários breves, contundentes, bem humorados e, quando necessário, mordazes, acerca de cada um dos discos indexados no guia "1001 discos para ouvir antes de morrer" (um exercício de paciência e perseverança!); resenhas (algumas delas escritas por mim) dos LP's mais interessantes pertencentes à coleção pessoal do administrador do blog em questão, todos devidamente digitalizados e disponibilizados para download. Vale a pena visitar!



quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dear visitor...

Welcome to Faro Flautista!

This blog has as its central topic the transverse flute - the instrument I chose to be my companion in my career as a professional musician. My objective is to write posts about the flute material which belong to my personal archive. I'll write about flute-related books, treatises, methods, and articles that I judge to be important, interesting and/or curious, aiming to put the reader in contact with them and their contents.

A big portion of the material that I have belongs to the collections of facsimiles published by Fuzeau. Those facsimiles where published in France between the years of 1500 and 1860 and consist of almost a hundred diverse publications including transverse flute and recorder methods, entries in music dictionaries and general encyclopaedias, paragraphs destined to the flute in instrumentation treatises, and some articles. It is a very rich material, which is filled with curiosities and is very useful to help tracing a history of the flute and its techniques. Some other books from the 18th century which are not included in the Fuzeau collections are also part of my personal archive, as well as many flute publications of the 20th and 21th centuries.
 
















Above, on the left, the collection "Flûte à Bec", which contains recorder material published in France between the years 1500 and 1800. To the right, the collection "Flûte Traversière", with transverse flute material published in the same country between the years 1800 and 1860. There are also two extra volumes to that collection with material published between the years 1600 and 1800.

This blog has some preliminary posts dealing with the basics of the flute. They were written intending to give the complete beginner a basis to understand what is going on in this blog (ver "O básico sobre a flauta"*, in the "Content" session, on the right). The next posts, however, will get more deep in the subject. They will contain many musical theory terms, as well as flute-technique terminology. Since I don't plan to give explanations about them in the posts, I have written a small glossary*. That way, I'll be able to reach both the beginner and the initiated: giving explanations to the first; writing a more straightforward text to the former

Hoping to reach a wider audience, I plan to write posts both in English and Portuguese. To have access to all the posts written in English, look for "Posts in English", just below this blog's banner. To read them in Portuguese, click on "Postagens em português", at the same location.

That being said, I welcome you once more and invite you to leave me your comments and suggestions. 

Hope you enjoy it!

*Only available in Portuguese.

Caro visitante...

Bem vindo ao Faro Flautista!

Este blog tem por temática principal a flauta transversa (ou transversal), instrumento que elegi como meu companheiro na minha carreira de músico profissional. O meu objetivo aqui é fazer postagens falando sobre o material de literatura flautística pertencente ao meu acervo particular. Farei resenhas dos livros, tratados, métodos e textos relacionados à flauta que julgar importantes, interessantes e/ou curiosos, no intuito de fazer com que o leitor os conheça e entre em contato com um pouco de seus respectivos conteúdos.

Do material que possuo, uma boa parte está inclusa nas coletâneas de fac-símiles publicados pela editora Fuzeau. Trata-se de fac-símiles publicados na França entre os anos de 1500 e 1860, contando com cerca de uma centena de publicações que variam entre métodos de flauta (tanto doce quanto transversal), verbetes sobre flautas em dicionários de músicas e enciclopédias gerais, trechos destinados à flauta dentro de grandes tratados de instrumentação e artigos de periódicos da época. É um material bastante rico e cheio de curiosidades, a partir do qual é possível traçar um histórico muito interessante sobre a flauta e sua técnica. Também fazem parte do meu acervo outras obras do século XVIII que não estão nas coletâneas, assim como publicações dos séculos XX e XXI.
 
















Acima, à esquerda, a coletânea "Flûte à Bec", abrangendo publicações francesas dos anos de 1500 a 1800 relacionadas à flauta doce. À direita, a coletânea "Flûte Traversière", trazendo escritos de flauta transversal vindos a público no mesmo país entre os anos de 1800 e 1860 - há também dois volumes extras com publicações do mesmo tipo datadas dos anos de 1600 a 1800.

O blog conta com algumas postagens preliminares contendo informações básicas relacionadas à flauta, a fim de dar alguma base ao leitor iniciante no assunto (ver "O básico sobre a flauta", na coluna "Conteúdo", à direita). As postagens seguintes, entretanto, não serão tão básicas assim. Elas conterão termos relacionados à teoria musical e à técnica flautística, termos com os quais alguns leitores podem não estar familiarizados. Como não pretendo explicar tais termos ao longo das postagens, o blog conta com um glossário. Cada termo que, por ventura, possa necessitar esclarecimentos, será dotado de um hiperlink que levará à página destinada ao glossário. Com isso, pretendo atender tanto ao iniciante quanto ao iniciado: para o iniciante, esclarecimentos; para o iniciado, um texto mais fluente e que vá direto ao ponto que interessa a ele.

Visando atingir um público maior, pretendo, doravante, postar tanto em português quanto em inglês. Para acessar apenas as postagens em português, clique em "Postagens em português", logo abaixo do banner do blog. Para acessá-las em inglês, procure, no mesmo lugar, por "Posts in English".

Dito isso, dou mais uma vez as boas vindas ao blog e convido o visitante a comentar e dar sugestões. No mais...

...boa leitura!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Flauta transversal: características, partes e funcionamento

A flauta transversal (ou, para ser mais preciso, a flauta ocidental de concerto) um padrão de construção levou um bocado de tempo para ser alcançado. Tal padrão é, com pouca variação e raras tentativas de experimentação, utilizado pelas principais fábricas de flauta do mundo - ver a postagem referente à história da flauta presente neste blog. Nesta postagem, escreverei um pouco mais detalhadamente sobre as características, sobre as partes e sobre o funcionamento desse instrumento, o qual é o foco central deste blog. Tratarei mais diretamente da flauta transversal soprano, uma vez que ela é a mais comum dentre todas as flautas dessa família. Além do mais, o seu funcionamento e o nome dado às suas partes é o mesmo das demais flautas transversais (as flautas contralto, baixo e contrabaixo), não sendo necessárias explanações para todas elas individualmente.

Características

A flauta transversal soprano é, hoje, feita mais comumente de ligas metálicas tendo por metal base metais como o níquel, a prata, o ouro e até mesmo a platina. Há também flautas cujos corpo e bocal são feitos de madeira, mas as chaves e mecanismos permanecem sendo feitos de ligas metálicas.


Tanta variedade de materiais é justificada pela impressão que os músicos e instrumentistas têm de que o material do qual é feito o instrumento interfere na qualidade sonora do mesmo. Esse é um assunto muito polêmico: há os que concordam com isso e há os que argumentam que não é o material que faz diferença, mas sim detalhes de construção do instrumento.

As flautas transversais soprano tem dó por afinação base, mas, naturalmente, são capazes de produzir todas as notas da escala cromática. O seu alcance pode ultrapassar três oitavas, mas não é comum utilizarmos toda a extensão da flauta para tocar música.
 Acima, o alcance da flauta transversal soprano. Na primeira figura, a extensão está escrita em notação musical. As notas em tamanho maior mostram a extensão mais utilizada flauta, enquanto as de tamanho menor mostram outras notas que o instrumento também é capaz de produzir, mas não são muito utilizadas. Na segunda, é mostrado o teclado de um piano e quais notas do teclado a flauta é capaz de produzir (excetuando algumas das notas incomuns que são mostradas na primeira figura).

Partes

A flauta transversal é dividida em três partes principais, a saber: a cabeça ou bocal (o local onde se sopra); o corpo (a maior parte da flauta, onde estão a maioria das chaves e mecanismos); o pé (a porção final da flauta). Não há muita variação em relação ao corpo da flauta, mas o bocal e o pé possuem suas variantes.
 A flauta desmontada nas suas três partes, dentro de seu estojo. Chamo a atenção do leitor para o pé da flauta. Trata-se de um "pé em si", chamado assim pois ele possibilita a emissão de uma nota si grave. Se o leitor retornar à primeira imagem desta postagem, ele notará que quase todas as flautas ali presentes possuem pé em si, excetuando a terceira flauta de baixo para cima. Aquela tem um "pé em dó", fazendo com que a extensão da flauta se limite a um dó grave.
Acima, um bocal curvo. Ele é mais utilizado por crianças que estão começando a tocar flauta transversal. Graças à curvatura, a criança não precisa esticar tanto os braços para alcançar as chaves da flauta, podendo tocar em uma posição mais anatômica.

Diferente da maioria das flautas doces, os orifícios da flauta transversal não são fechados diretamente com os dedos do flautista: são fechados indiretamente através das chaves das quais o instrumento dispõe. O número de orifícios que há para serem abertos e fechados em uma flauta são mais numerosos que o número de dedos que utilizamos efetivamente para tocar. É graças a um sofisticado sistema de mecanismos que se torna possível tocar a flauta moderna: o acionamento de uma chave pode fazer com que uma outra chave que esteja fora do alcance dos dedos se abra ou se feche. As chaves da flauta podem ser de dois tipos:

Profissionais fazem uso, geralmente, de flautas com pé em si e com chaves abertas, mas isso não é uma regra absoluta.

 Acima estão os vários mecanismos e chaves da flauta desmontados e à mostra a partir de seu ângulo menos visível: o lado de baixo. As circunferências de cor amarelada chamam-se sapatilhas. Feitas de diversos materiais, elas são as responsáveis por vedar os orifícios da flauta.


O vídeo acima mostra um luthier trabalhando nos reparos de uma flauta. É um processo trabalhoso e que requer muito cuidado e atenção aos mínimos detalhes!

Funcionamento

A flauta transversal é, naturalmente, um instrumento de sopro, o que nos leva a uma conclusão bastante clara: necessita de ar para produzir som. Mas não é qualquer ar que fará soar uma flauta. É necessário um ar muito bem canalizado.





















A foto acima, à esquerda, mostra o perfil dos lábios de uma flautista soprando ar para dentro do orifício da embocadura da flauta. Como mostrado pela seta azul, o ar deve colidir contra a borda externa do orifício. Parte do ar entra na flauta; outra parte, escapa: é essa divisão que faz com que o ar dentro da flauta vibre e produza som. Na foto da direita, vemos a mesma situação, mas de um ângulo frontal. Repare no que há dentro da elipse azul: uma porção do metal da flauta embaçou. Isso se dá devido ao contato do ar que escapa da flauta (geralmente quente) com o metal (geralmente mais frio).

A produção de som em uma flauta doce se dá da mesma maneira. Entretanto, ela conta com um bico que faz o trabalho de canalizar o ar e direcioná-lo à aresta contra a qual ele deve colidir - a seta azul mostra o trajeto do ar. Na flauta transversal, a canalização do ar fica inteiramente por conta do flautista! Por isso tantos iniciantes  tendem a achar difícil a produção de som na flauta transversal.

Esse é o princípio básico da produção do som. A produção das diferentes notas musicais de dá através da combinação desse princípio com mais dois outros princípios básicos. O primeiro trata da combinação de orifícios abertos e fechados do corpo e do pé da flauta. Essas combinações são feitas por meio dos movimentos dos dedos - dedilhados! -, os quais acionam as chaves e os mecanismos que as abrem ou fecham. O número de combinações possíveis para a produção de notas com a qualidade sonora e a afinação desejadas, porém, não é suficiente para a emissão de todas as notas da extensão da flauta descrita alguns parágrafos acima. E aí que entra o último princípio básico: o formato dos lábios. O formato dos lábios causa uma pequena mudança na direção do ar soprado. Ele deve continuar colidindo contra a já mencionada aresta, mas, a depender da região da aresta contra a qual ele colidir, a nota emitida será diferente. Conseguir saber qual o formato exato dos lábios para produzir determinada nota requer muito estudo e refinamento técnico. Resumindo a ópera, então: 

A emissão de uma nota musical na flauta passa por três conceitos básicos:
1 - O colidir do ar soprado pelo flautista contra a aresta externa do orifício do bocal;
2 - O dedilhado empregado;
3 - O formato dos lábios do flautista ao soprar.

"O flautista sopra para dentro da flauta... 
E quem faz a música?
Não a flauta:
o flautista!"
Rumi

domingo, 8 de abril de 2012

Os diversos tipos de flauta

Os instrumentos musicais aos quais chamamos, genericamente, de "flautas", podem ser dotados das mais diversas características: tamanhos, formatos, materiais, timbres e até mesmo maneiras de tocar. O elemento em comum a todos os tipos de flauta é a forma através da qual o som é produzido neles. O flautista sopra o ar contido em seus pulmões contra uma aresta, colisão que faz com que parte do ar vá para fora do instrumento e, outra parte, para dentro do mesmo. Essa divisão do ar faz com que o ar presente dentro da flauta entre em vibração, ocasionando a emissão do som. Esse é o princípio básico da formação do som da flauta. Cada tipo de flauta, porém, exige uma técnica de sopro própria para colocar o ar em seu interior em estado de vibração. Abaixo, faço um breve apanhado de alguns tipos de flauta, diferencio-os e falo um pouco sobre seus usos e variantes.

A flauta transversal (ou "flauta ocidental de concerto")

Trata-se da flauta transversal moderna (sistema Böhm), feita mais comumente de ligas metálicas e/ou madeira. Recebe este nome por ser empunhada transversalmente, ou seja, de lado. Seu nome mais preciso é "flauta ocidental de concerto", uma vez que há tipos de flautas empunhadas transversalmente que pertencem a culturas orientais e que não são utilizadas normalmente no contexto da música de concerto (música erudita, ou música clássica).
Uma flauta ocidental de concerto. O círculo preto mostra o porta lábios da flauta e o orifício do bocal. A faixa azul demonstra o local onde o flautista deve apoiar a concavidade existente entre seu lábio inferior e seu queixo. A seta vermelha aponta para o local onde o flautista deve direcionar seu sopro: para a aresta externa do orifício do bocal.

A família desse tipo de flauta contém outros instrumentos, alguns deles pouco conhecidos e de aparência um tanto inusitada.
Emmanuel Pahud interpreta "Syrinx", de Claude Debussy (1862-1918), em uma flauta soprano, a mais comum dentre as flautas ocidentais de concerto.

Ian Mullin toca duas flautas dessa família: a flauta contralto (ou "alto flute") e a flauta baixo (ou "bass flute"). A flauta contralto é maior e produz sons mais graves que a flauta soprano; a flauta baixo, por sua vez é ainda maior e produz sons ainda mais graves.

Stefan Keller toca uma flauta contrabaixo (ou "counterbass flute"). Reparem no tamanho do instrumento: emite sons ainda mais graves que os da flauta baixo.

O piccolo ou flautim

O piccolo ou flautim é um instrumento ainda muito semelhante à flauta ocidental de concerto, mas recebe um nome diferente por questão de tradição. A maneira como o ar é produzido nele é idêntica e os dedilhados são praticamente os mesmos que aqueles utilizados pelos outros tipos de flauta já descritos até então. As duas diferenças maiores são o fato de o flautim produzir sons duas vezes mais agudos que aqueles produzidos pela flauta soprano e por seu tubo ser cônico - e não cilíndrico, como é o caso das flautas modernas.

O segundo movimento do concerto em dó maior RV443 de Antonio Vivaldi (1678-1741) para flautim (originalmente, na verdade, para flauta doce sopranino - veremos mais adiante), aqui tocado por Andrea Will e Hans-André Stamm (órgão).

O traverso barroco

Trata-se ainda de um instrumento de empunhadura transversal, mas, diferente da flauta ocidental de concerto e do flautim, é uma flauta cujo uso está mais limitado à música do período barroco - daí seu nome. Dotada de apenas uma chave e feita de madeira, foi o instrumento que, aos poucos, substituiu a flauta doce dentro da música de concerto.
Um traverso barroco fabricado à semelhança dos traversos construídos por Jean-Hyacinth Rottenburgh (1672-1756).

O primeiro movimento do concerto de Brandenburgo Nº5 em ré maior BWV1050 para flauta e violino, composto pelo genial Johann Sebastian Bach (1685-1750) e tocado pelos também geniais Barthold Kuijken (traverso) e Sigiswald Kuijken (violino).

Flauta doce

A flauta doce era, na Europa, mais utilizada que a flauta transversal até meados do Renascimento. Ao longo do Renascimento e do Barroco, a flauta transversal foi, aos poucos, substituindo a flauta doce, fazendo com que ela caísse em desuso dentro do contexto da música de concerto, retornando - e, mesmo assim, pontualmente - apenas no século XX com a música contemporânea.

A flauta doce é chamada em francês de "flûte à bec", ou "flauta de bico", justamente por contar com uma embocadura com formato de bico. Esse bico canaliza o ar soprado em direção à aresta contra a qual ele deve colidir, poupando em muito o trabalho do flautista.

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Michala Petri toca os dois primeiros movimentos do concerto em dó maior RV443 de Antonio Vivaldi (1678-1741) para flauta doce sopranino, acompanhada por orquestra.

 
Um quarteto de flautas doces. Da esquerda para a direita: uma tenor, uma contrabaixo, uma baixo e uma contralto. Tanto esta peça como o concerto mostrado acima atestam para a qualidade e o alto nível de dificuldade da música composta para o instrumento - muito embora a peça deste vídeo seja uma versão para quatro flautas de uma peça escrita por Vivaldi para orquestra!

Como não poderia deixar de ser, existem ainda flautas doces mais graves, como a flauta subcontrabaixo deste vídeo. Ultrapassa facilmente os dois metros de altura!

Tin whistle

"Tin whistle", ou, traduzindo literalmente, "apito de latão", é um tipo de flauta de origem irlandesa. Como o nome já diz, o material mais comum para a sua construção é o metal - via de regra, ligas metálicas mais baratas como o níquel e o cobre. O bico é feito de plástico ou de madeira. É um instrumento muito semelhante à flauta doce, mas contém menos orifícios e é limitado a tocar em apenas algumas tonalidades, de maneira que há tin whistles diferentes para cada tonalidade na qual se deseja tocar.


Mary Bergin tocando melodias de dança irlandesas em seu tin whistle.

Flauta de Pã

A flauta de Pã (ou Pan) é um instrumento cuja origem remonta à antiguidade. A lenda grega reza que a sua criação se deve ao semi-deus Pã, uma criatura de aparência metade humana e metade bode. Pã ouviu, a longe, o canto de uma ninfa. Apaixonado - ou, ao menos, sexualmente atraído por ela -, decide persegui-la. Ela, entretanto, transforma-se em uma espécie de bambu aquático, a fim de despistar o nada educado e bonito semi-deus. Pã pensou ter perdido a ninfa de vista. Mas, tão longo o vento bateu contra os fachos de bambu, o som produzido por esta colisão foi idêntico ao da bela voz da ninfa. Pã não teve dúvidas: era ela. Para poder levar seu canto para onde quer que fosse, ele, então, ceifa o bambu, e, a partir dele, monta sua flauta: a flauta de Pã. Tal ninfa chamava-se Syrinx (soa familiar?) e a tal fato deve-se o nome grego deste tipo de flauta: siringe.

Diferente das flautas descritas até agora, todas dotadas de apenas um tubo, a flauta de Pã é composta por vários tubos de tamanhos diferentes e todos eles fechados em uma das extremidades, cada um para uma nota musical. Para produzir o som, o flautista apoia o lábio inferior na quina interior dos tubos, sopra contra a quina exterior e desliza o instrumento de um lado para o outro com o auxílio das mãos, a fim de produzir notas musicais diferentes. O uso da flauta de Pã, porém, não se limitou aos gregos. Outros povos espalhados pelo mundo também a apreciavam, dentre eles os andinos, nossos vizinhos.

Daniela de Santos interpreta a tradicionalíssima "El Condor Pasa" em uma flauta de Pã.

No vídeo acima, uma curiosidade. Matthias Schulbeck, um alemão com limitações físicas, toca duas peças de Johann Sebastian Bach (1685-1750) numa flauta de pã. Trata-se dos dois últimos movimentos da suíte orquestral em si menor BWV1067, peça que requer uma técnica aprimorada. Toca melhor que inúmeros flautistas sem as mesmas limitações!

Bansuri


A bansuri é uma flauta transversal de origem indiana. Feita de bambu e contendo de seis a sete orifícios, seu tamanho pode variar de 40cm a aproximadamente um metro de comprimento. A mitologia indiana conta que Krishna tinha a bansuri como seu instrumento musical e suas melodias tinham efeitos mágicos sobre as pessoas e animais. É utilizada tanto para música religiosa quanto folclórica, mas tem assumido, nas últimas décadas, um papel interessante na música erudita indiana - "bansuris de concerto". Existe também uma variedade de bansuri dotada de bico (semelhante à flauta doce), a qual, por ser mais limitada que a bansuri transversal, tem seu uso mais restrito à música folclórica.


Um trio: bansuri, sítara (instrumento de corda) e tabla (instrumento de percussão). 

Dizi

A dizi (ou di-zi) é uma flauta transversal de origem chinesa, um instrumento muito empregado na música tradicional da China. É também utilizada na ópera chinesa e nas modernas orquestras do mesmo pais. São, via de regra, feitas de bambu, mas há também modelos feitos em jade, muito apreciados por colecionadores de instrumentos antigos. Além dos orifícios destinados ao sopro e aos dedos, a dizi possuiu um outro muito peculiar, o qual é coberto por uma membrana feita de uma camada bem fina de madeira retirada do interior do bambu. Tal membrana recebe o nome de dimo e serve para dar à dizi um timbre mais brilhante e anasalado.

Neste vídeo, vários músicos chineses tocam suas dizi, as quais, assim como as nossas flautas, são feitas dos tamanhos mais variados. Eles são acompanhados por uma orquestra composta predominantemente por instrumentos típicos da China. Vale a pena ver até o final, mesmo não sabendo uma palavra de chinês!

Shakuhachi

O shakuhachi é um instrumento musical tradicional do Japão, muito embora sua origem remonte à China. Diferente da dizi, é uma flauta que se toca na vertical. Dotado de cinco orifícios e de um bocal cuja aresta externa é levemente rebaixada, é geralmente feita de bambu e sua técnica de embocadura lembra aquela da flauta de Pã. O shakuhachi pode parecer, à primeira vista, um instrumento bastante simples, mas não se engane: requer uma técnica de embocadura refinadíssima para ser tocado a contento.

Aqui, o flautista é acompanhado por um instrumento de cordas também típico da cultura japonesa: o shamisen.

Quena

Também conhecida como kena, é outra flauta típica da música andina. Como poderá observar na figura abaixo, sua estrutura é parecida com a do shakuhachi: tem uma embocadura de formato semelhante - o rebaixamento é mais pronunciado, tendo um formato de "U" -, segura-se verticalmente e, geralmente, é feita de bambu. O número de orifícios é diferente - seis, ao invés de cinco. O timbre e a maneira de tocar, porém, são perceptivelmente diferentes!

 Micaela Chaque interpreta na quena e na flauta da Pã uma canção popular andina chamada "Romance de viento y quena".

Ney


Ney (ou nay) é uma variedade de flauta que figura na música de várias culturas do oriente médio. Árabes, persas, turcos e egípcios fazem uso deste instrumento há mais de quatro mil anos, data estimada por meio de iconografia encontrada nas paredes internas das pirâmides. Seu funcionamento é semelhante ao da quena e do shakuhachi, mas a posição em que é segurado é um pouco diferente: o ângulo é mais oblíquo. Neys variam bastante em tamanho e podem ter de seis a sete orifícios, mas o material em que são feitas é, via de regra, o bambu.

Ney egípcia acompanhada por percussão.


Didgeridoo

A classificação do didgeridoo tende a gerar confusão entre algumas pessoas. Também conhecido como didjeridu, é um instrumento de sopro utilizado por aborígenes australianos há cerca de mil e quinhentos anos, mas não há fontes que possam dar uma idade mais precisa ao instrumento. Sua estrutura é semelhante à de algumas flautas flauta e, por isso, muitos o consideram como sendo mais um tipo de flauta. Sua técnica de produção de som - que é aquilo que de fato conta em termos de qualificação de instrumentos musicais -, entretanto, aproxima-o muito mais de um trompete! O didgeridoo poderia ser considerado, no máximo e com muita boa vontade, um primo muito distante da flauta - o que não desmerece o instrumento de nenhuma maneira.

O som é produzido através do sopro E da vibração dos lábios do instrumentista. Tocar o didgeridoo demanda, obrigatoriamente, uma técnica de respiração chamada de respiração circular (a qual é utilizada também por outros instrumentistas de sopro, muitas vezes de forma facultativa), a qual permite ao instrumentista sustentar um som por tempo indeterminado. Há gravações de instrumentistas que tocaram o instrumento por mais de 40 minutos sem interrupção! O didgeridoo é feito de madeiras diversas e pode variar muito em tamanho: de 1,2m a 3m. Seu formato também pode variar um pouco, desde um formato cilíndrico até um formato mais cônico, com o diâmetro do tubo aumentando à medida que chegamos à extremidade do instrumento oposta àquela onde se sopra.
Didgeridoos com diversas decorações.

Jeremy Donovan tocando seu didgeridoo.


Zurna

A zurna, assim como a ney, é um instrumento musical presente na música de vários povos do oriente médio. Trata-se daquele instrumento de sopro que muitos associam com os encantadores de serpentes. A zurna, entretanto, não é uma flauta, ao contrário do que muitos pensam. Seu funcionamento é mais semelhante ao de um oboé. Feita geralmente da madeira dos pés de damasco, ela é dotada de oito orifícios para os dedos e o orifício através do qual o instrumentista sopra possui uma palheta dupla - daí sua semelhança com o oboé.
Zurnas.


Procure comparar o som de uma zurna ao som de um oboé - a semelhança dos timbres produzidos pelos dois instrumentos é notável.

"... civilização não é algo absoluto, mas (...) é relativa
e nossas ideias e concepções são verdadeiras
apenas na medida de nossa civilização."
Franz Boas

sábado, 7 de abril de 2012

Uma breve história da flauta

A flauta é, depois da voz humana, o instrumento musical mais antigo do qual se tem conhecimento. Na Alemanha, no ano de 2008, foi encontrada uma flauta de, no mínimo, 35 mil anos de idade – o instrumento musical mais antigo já descoberto. Tais instrumentos primitivos eram, de modo geral, feitos de ossos de animais. Flautas de ossos foram encontradas em sítios arqueológicos de diversos países, tais como a China, o Japão e a Índia, demonstrando que o instrumento exerceu papel importante no desenvolvimento musical de vários povos.
 
A flauta transversal parece não ter sido conhecida na Europa até o momento em que ela chegou do Império Bizantino (ou Romano Oriental) na Idade Média. Por conta de ter sido introduzida primeiramente em terras alemãs, recebeu o nome de “flauta alemã” (“German flute”), a fim de diferenciá-la de outros tipos de flauta – como a flauta doce. Não se sabe de nada definido acerca da construção, do repertório ou da técnica da flauta transversal dessa época, mas, certamente, ainda não existia uma forma de construção padronizada para o instrumento.

Durante o período renascentista, a flauta passou a ser melhor conhecida por toda a Europa quando, a partir do século XIV, mercenários suíços passaram a empregar o instrumento em sua música militar. Já na música tocada com fins artísticos, a flauta era mais comumente tocada dentro de consortes, ou seja, dentro de um grupo de instrumentos similares, porém cada um de tamanho diferente – os maiores produzindo sons mais graves e os menores emitindo notas mais agudas. Um consorte não tinha um número fixo de instrumentistas, mas a formação mais comum contava com quatro músicos.
A música de consorte do século XVI exigia que todos os instrumentistas do grupo fossem capazes de fundir suas respectivas sonoridades com aquelas dos demais membros do grupo. Com o surgimento da música para solistas, entretanto, um instrumentista (ou mais) em particular deveria sobressair-se em relação aos demais. Assim sendo, as flautas tocadas por esses solistas eram construídas de maneira diferente das flautas de consorte, objetivando, dentre outras coisas, mais potência sonora e personalidade de timbre.

Dentre as mudanças sofridas pela flauta transversal ao longo dos séculos XVI e XVII, três delas são dignas de nota. A primeira delas trata da divisão do instrumento musical em três partes: bocal ou cabeça; corpo; pé. As flautas modernas ainda são dividas desta maneira, mas, até meados do Renascimento, as flautas eram construídas como peças unas. A segunda mudança importante é a adição de uma chave à flauta, chave que, quando acionada pelo abaixamento do dedo mínimo da mão direita do flautista, abre o orifício mais baixo do instrumento. Por fim, a terceira mudança não é visível no exterior da flauta, mas, sem dúvidas, é também de grande importância. Trata-se do formato do interior do tubo do corpo da flauta. Até próximo do fim do Renascimento, tal tubo tinha formato cilíndrico; a partir do final do mesmo período, o tubo tornou-se levemente cônico. Em outras palavras: ele passou a ser construído de forma a, gradativamente, ir tornando-se mais estreito à medida que nos aproximamos da extremidade final do instrumento, localizada ao fim do pé da flauta. Tal alteração acarretaria em grandes mudanças no timbre e nas propriedades acústicas do instrumento.

A nova flauta tornou-se popular ao longo do século XVII e recebeu o nome de traverso – hoje também conhecido como traverso barroco, uma vez que seu amplo uso se deu durante o período Barroco da história da música. Dentre os construtores desse tipo de flauta, destacaram-se Jean-Hyacinth Rottenburgh (1672-1756) e Carlo Palanca (1690-1783). O traverso era tocado tanto por músicos profissionais quando por amadores. Dentre os profissionais, destacou-se Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista da corte de Frederico II da Prússia e professor de flauta do monarca. Quantz escreveu um grande tratado* sobre o traverso e sua técnica, bem como sobre o fazer musical de sua época. Vários compositores importantes da história da música escreveram música de excelente qualidade para o instrumento em questão, dentre eles Antonio Vivaldi (1678-1741), Georg Friedrich Händel (1685-1759), Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Georg Philipp Telemann (1681-1767), além de Michel Blavet (1700-1768) e do próprio Quantz. Dentre as formas de composição mais utilizadas pelos compositores citados valem ser apontados o concerto e a sinfonia.
Com a ampliação das duas formas musicais enumeradas ao fim do parágrafo anterior e com as mudanças que, ao final do século XVIII e princípio do século XIX, vinham acontecendo com a prática musical, a flauta passou por várias mudanças em um relativamente curto espaço de tempo. O número de membros da orquestra aumentou; os teatros e auditórios também aumentaram de tamanho, visando abrigar um público que crescia vertiginosamente; a música que estava sendo composta tinha caráter diferente da música anterior e exigia do instrumentista mais habilidade para ser tocada. Assim sendo, mais potência sonora, mais riqueza de timbre e mais facilidade de digitação eram objetivos que passaram a ser perseguidos obstinadamente pelos flautistas da época.

No intuito de alcançar as demandas da nova música, muitas experiências foram feitas com o design da flauta. A primeira delas foi a introdução de novos orifícios e novas chaves ao instrumento, visando resolver problemas de dedilhado e de afinação, procurando permitir que o flautista tocasse em todos os tons existentes. Johann GeorgeTromlitz (1725-1805) escreveu ao longo da vida dois grandes tratados de flauta**, sendo que o segundo deles trata justamente de uma flauta com um sistema de chaveamento desenvolvido por ele.

Vários novos modelos de flauta foram criados ao longo do século XIX, todos eles coexistindo ao mesmo tempo e cada qual sendo defendido por seu criador como sendo a solução dos problemas flautísticos da época. Por volta de 1830, Theobald Böhm (1794-1881), flautista com espírito de cientista, começa a desenvolver seu modelo de flauta, chegando, no ano de 1847, a um resultado com o qual demonstrou satisfação. Tal sistema é, com pouquíssimas alterações, aquele da maioria das flautas que nós utilizamos ainda hoje. Não obstante, levaram-se décadas até que seu uso fosse generalizado. Alguns métodos de flauta da época de Böhm, inclusive, frente à variedade de modelos de flauta presentes no mercado, trazem tabelas de dedilhados para diversos tipos de flauta, desde o traverso até a flauta de sistema Böhm – como ficou conhecida a invenção de Theobald Böhm. O sistema Böhm, além de ter sido extremamente útil para a flauta, serviu de inspiração para mudanças em outros instrumentos musicais, dentre eles a clarineta e o oboé.

Até este ponto da história da flauta, os materiais utilizados na construção do instrumento foram os mais diversos: ossos, madeiras variadas, marfim, vidro, cristal, ligas metálicas e compostos plásticos. Hoje predominam as flautas de liga metálica (níquel, prata, ouro e até mesmo platina), ficando as flautas de madeira em segundo lugar.
Ao longo do século XX, como dito anteriormente, pouco foi modificado no sistema Böhm. Alguns construtores de flauta, entretanto, ainda encontram espaço para experimentação. É o caso de Eva Kingma, que, para facilitar a execução de música contemporânea, adicionou novas chaves à flauta de sistema Böhm. Além dela, há também o caso curioso de Leonard Lopatin, luthier que constrói flautas com orifícios quadrados! O design peculiar, segundo seu criador, daria mais clareza e precisão ao som da flauta.

Deus sabe para onde a história da flauta 
vai nos levar...