sábado, 7 de abril de 2012

Uma breve história da flauta

A flauta é, depois da voz humana, o instrumento musical mais antigo do qual se tem conhecimento. Na Alemanha, no ano de 2008, foi encontrada uma flauta de, no mínimo, 35 mil anos de idade – o instrumento musical mais antigo já descoberto. Tais instrumentos primitivos eram, de modo geral, feitos de ossos de animais. Flautas de ossos foram encontradas em sítios arqueológicos de diversos países, tais como a China, o Japão e a Índia, demonstrando que o instrumento exerceu papel importante no desenvolvimento musical de vários povos.
 
A flauta transversal parece não ter sido conhecida na Europa até o momento em que ela chegou do Império Bizantino (ou Romano Oriental) na Idade Média. Por conta de ter sido introduzida primeiramente em terras alemãs, recebeu o nome de “flauta alemã” (“German flute”), a fim de diferenciá-la de outros tipos de flauta – como a flauta doce. Não se sabe de nada definido acerca da construção, do repertório ou da técnica da flauta transversal dessa época, mas, certamente, ainda não existia uma forma de construção padronizada para o instrumento.

Durante o período renascentista, a flauta passou a ser melhor conhecida por toda a Europa quando, a partir do século XIV, mercenários suíços passaram a empregar o instrumento em sua música militar. Já na música tocada com fins artísticos, a flauta era mais comumente tocada dentro de consortes, ou seja, dentro de um grupo de instrumentos similares, porém cada um de tamanho diferente – os maiores produzindo sons mais graves e os menores emitindo notas mais agudas. Um consorte não tinha um número fixo de instrumentistas, mas a formação mais comum contava com quatro músicos.
A música de consorte do século XVI exigia que todos os instrumentistas do grupo fossem capazes de fundir suas respectivas sonoridades com aquelas dos demais membros do grupo. Com o surgimento da música para solistas, entretanto, um instrumentista (ou mais) em particular deveria sobressair-se em relação aos demais. Assim sendo, as flautas tocadas por esses solistas eram construídas de maneira diferente das flautas de consorte, objetivando, dentre outras coisas, mais potência sonora e personalidade de timbre.

Dentre as mudanças sofridas pela flauta transversal ao longo dos séculos XVI e XVII, três delas são dignas de nota. A primeira delas trata da divisão do instrumento musical em três partes: bocal ou cabeça; corpo; pé. As flautas modernas ainda são dividas desta maneira, mas, até meados do Renascimento, as flautas eram construídas como peças unas. A segunda mudança importante é a adição de uma chave à flauta, chave que, quando acionada pelo abaixamento do dedo mínimo da mão direita do flautista, abre o orifício mais baixo do instrumento. Por fim, a terceira mudança não é visível no exterior da flauta, mas, sem dúvidas, é também de grande importância. Trata-se do formato do interior do tubo do corpo da flauta. Até próximo do fim do Renascimento, tal tubo tinha formato cilíndrico; a partir do final do mesmo período, o tubo tornou-se levemente cônico. Em outras palavras: ele passou a ser construído de forma a, gradativamente, ir tornando-se mais estreito à medida que nos aproximamos da extremidade final do instrumento, localizada ao fim do pé da flauta. Tal alteração acarretaria em grandes mudanças no timbre e nas propriedades acústicas do instrumento.

A nova flauta tornou-se popular ao longo do século XVII e recebeu o nome de traverso – hoje também conhecido como traverso barroco, uma vez que seu amplo uso se deu durante o período Barroco da história da música. Dentre os construtores desse tipo de flauta, destacaram-se Jean-Hyacinth Rottenburgh (1672-1756) e Carlo Palanca (1690-1783). O traverso era tocado tanto por músicos profissionais quando por amadores. Dentre os profissionais, destacou-se Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista da corte de Frederico II da Prússia e professor de flauta do monarca. Quantz escreveu um grande tratado* sobre o traverso e sua técnica, bem como sobre o fazer musical de sua época. Vários compositores importantes da história da música escreveram música de excelente qualidade para o instrumento em questão, dentre eles Antonio Vivaldi (1678-1741), Georg Friedrich Händel (1685-1759), Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Georg Philipp Telemann (1681-1767), além de Michel Blavet (1700-1768) e do próprio Quantz. Dentre as formas de composição mais utilizadas pelos compositores citados valem ser apontados o concerto e a sinfonia.
Com a ampliação das duas formas musicais enumeradas ao fim do parágrafo anterior e com as mudanças que, ao final do século XVIII e princípio do século XIX, vinham acontecendo com a prática musical, a flauta passou por várias mudanças em um relativamente curto espaço de tempo. O número de membros da orquestra aumentou; os teatros e auditórios também aumentaram de tamanho, visando abrigar um público que crescia vertiginosamente; a música que estava sendo composta tinha caráter diferente da música anterior e exigia do instrumentista mais habilidade para ser tocada. Assim sendo, mais potência sonora, mais riqueza de timbre e mais facilidade de digitação eram objetivos que passaram a ser perseguidos obstinadamente pelos flautistas da época.

No intuito de alcançar as demandas da nova música, muitas experiências foram feitas com o design da flauta. A primeira delas foi a introdução de novos orifícios e novas chaves ao instrumento, visando resolver problemas de dedilhado e de afinação, procurando permitir que o flautista tocasse em todos os tons existentes. Johann GeorgeTromlitz (1725-1805) escreveu ao longo da vida dois grandes tratados de flauta**, sendo que o segundo deles trata justamente de uma flauta com um sistema de chaveamento desenvolvido por ele.

Vários novos modelos de flauta foram criados ao longo do século XIX, todos eles coexistindo ao mesmo tempo e cada qual sendo defendido por seu criador como sendo a solução dos problemas flautísticos da época. Por volta de 1830, Theobald Böhm (1794-1881), flautista com espírito de cientista, começa a desenvolver seu modelo de flauta, chegando, no ano de 1847, a um resultado com o qual demonstrou satisfação. Tal sistema é, com pouquíssimas alterações, aquele da maioria das flautas que nós utilizamos ainda hoje. Não obstante, levaram-se décadas até que seu uso fosse generalizado. Alguns métodos de flauta da época de Böhm, inclusive, frente à variedade de modelos de flauta presentes no mercado, trazem tabelas de dedilhados para diversos tipos de flauta, desde o traverso até a flauta de sistema Böhm – como ficou conhecida a invenção de Theobald Böhm. O sistema Böhm, além de ter sido extremamente útil para a flauta, serviu de inspiração para mudanças em outros instrumentos musicais, dentre eles a clarineta e o oboé.

Até este ponto da história da flauta, os materiais utilizados na construção do instrumento foram os mais diversos: ossos, madeiras variadas, marfim, vidro, cristal, ligas metálicas e compostos plásticos. Hoje predominam as flautas de liga metálica (níquel, prata, ouro e até mesmo platina), ficando as flautas de madeira em segundo lugar.
Ao longo do século XX, como dito anteriormente, pouco foi modificado no sistema Böhm. Alguns construtores de flauta, entretanto, ainda encontram espaço para experimentação. É o caso de Eva Kingma, que, para facilitar a execução de música contemporânea, adicionou novas chaves à flauta de sistema Böhm. Além dela, há também o caso curioso de Leonard Lopatin, luthier que constrói flautas com orifícios quadrados! O design peculiar, segundo seu criador, daria mais clareza e precisão ao som da flauta.

Deus sabe para onde a história da flauta 
vai nos levar...



4 comentários:

  1. Meus parabéns cara! Seu blog é realmente um exemplo a ser seguido na internet! Abraço!

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  2. Muito legal seu post, não conhecia a flauta de orifícios quadrados, muito interessante mesmo!

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    1. Olá, Silvio! Obrigado pelo comentário - e por, involuntariamente, me apresentar à ocarina de gelo, que também desconhecia! hahahah =)

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