domingo, 6 de maio de 2012

História da flauta transversal - A Idade Média


Antes de começar a escrever sobre os métodos de flauta que possuo, uma contextualização histórica se faz necessária. Nas próximas três postagens, falarei um pouco sobre o uso e o desenvolvimento da flauta transversal desde os primeiros relatos encontrados sobre o instrumento em questão na Idade média, passando pelo Renascimento e terminando em meados do período Barroco, no momento em que a flauta transversal dotada de uma chave passou a ser amplamente utilizada. Essas postagens servirão de subsídio para uma melhor compreensão do material sobre o qual escreverei futuramente.

A flauta transversal na Idade Média
            
Costuma-se considerar que a história da nossa flauta transversal moderna inicia-se em torno do ano 1700, período no qual acredita-se que o traverso barroco foi inventado e as primeiras peças escritas especificamente para ele foram impressas. Sob esse ponto de vista, os vários séculos que precederam o período Barroco nos parecem impenetráveis e remotos, em especial a Idade Média (período da história que compreende os séculos V e XV).
            
Todo o conhecimento que temos da flauta medieval é oriundo de uma porção de imagens e de alguns fragmentos de poesia e outros tipos de escritos datados daquele período. Nenhuma flauta transversal medieval foi encontrada até o momento, de forma que não podemos saber ao certo como as flautas soavam ou eram tocadas. Além disso, apenas uma fração da música medieval foi escrita – e aquilo que foi escrito não contém informações sobre com qual instrumento tocar e nem como tocar.
            
Comparando com rabecas e harpas, instrumentos que aparecem com muito mais frequência em imagens e em escritos, a flauta era, claramente, um instrumento de uso relativamente restrito na Idade Média. A iconografia flautística encontrada, entretanto, não pode ser interpretada como reflexo direto da realidade: era comum que o artista tomasse uma decisão a respeito de como representar a flauta baseado primeiramente em questões de harmonia e composição da pintura, deixando o realismo em segundo plano.
Uma miniatura presente em uma coletânea de canções publicadas em torno de 1340. Nela, a flautista segura a flauta a sua direita, mas apenas para criar mais harmonia com a rabeca, fazendo com que os dois instrumentos apontem para o centro da imagem. A maior parte das representações de flautistas datadas Idade Média mostram instrumentistas empunhando os instrumentos à esquerda, e não a direita, como na imagem acima (e como fazemos atualmente).

A interpretação de material escrito gera outro tipo de problema. O termo utilizado para se referir à flauta transversa era, frequentemente, o mesmo utilizado para se referir à flauta doce e instrumentos semelhantes a apitos. Além disso, é uma tarefa inútil procurar na literatura por referências a flautistas profissionais, uma vez que, naquela época, o fazer musical não era tão especializado como é hoje – os músicos deveriam ser capazes de tocar vários instrumentos.
            
Muitas imagens antigas (várias delas ainda mais antigas do que aquelas pertencentes à Idade Média) que continham representações de flautistas eram dotadas de temática mitológica. A Grécia, a Índia e o Egito herdaram lendas que associam a invenção da flauta a divindades. Dentre essas lendas, apenas a do deus grego Pã faz parte do inventário mitológico ocidental. A flauta criada por Pan, entretanto, não era uma flauta transversal. Das três culturas citadas neste parágrafo, a única a atribuir a um deus a criação de uma flauta transversal é a cultura indiana (para mais detalhes sobre as flautas dessas três culturas, ver a postagem presente neste blog referente aos diversos tipos de flauta).


A flauta transversa indiana pode ter viajado até Bizâncio em torno do século X, e, a partir daí, passou a ser conhecida na Europa. Referências à flauta transversal (tanto na literatura quanto nas artes visuais) começam a aparecer apenas no século XII. Até o século XIV, entretanto, ela estava limitada ao território do Sacro Império Romano-Germânico. Vulgarmente falando, Tal território corresponde, hoje, à Alemanha. Por conta dessa limitação territorial inicial, a flauta transversa passou a ser conhecida como “flauta alemã” quando, entre os séculos XIII e XIV, chegou a outros países europeus. Ao final do século XIII, a flauta transversa já parecia estar presente na França (onde era conhecida como "flûte d'Allemagne") e textos e imagens do século XIV demonstram que a mesma era utilizada no âmbito da música militar tanto na Alemanha quanto na França. A flauta transversa já havia chegado na Espanha em meados do século XIV, mas, na Itália, aparentemente, ela só seria conhecida no século seguinte.

Todo o material coletado sobre a flauta no período medieval revela a inexistência de um padrão de construção do instrumento e de um acordo sobre como tocá-lo. Com tanta variedade, o instrumentista precisava desenvolver uma percepção musical boa o suficiente para lhe permitir, em poucos minutos, saber onde estavam os tons e semitons de sua flauta, os limites de sua tessitura e adaptar a melodia que ele deveria tocar ao instrumento que tinha nas mãos. É desnecessário dizer que também não existia um padrão de afinação para flautas – a altura do lá variava de província para província, exatamente como acontecia com os demais instrumentos. O único ponto comum que parecia existir era o seguinte: a flauta TRANSVERSAL deveria ser segurada de forma TRANSVERSAL...

Principal referência:
POWELL, Ardal. The Flute. New Heaven and London: Yale University Press, 2002.

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